quarta-feira, 30 de março de 2011

O direito de Maria Bethânia

A Lei Rouanet provoca distorções? Provoca, ninguém tem dúvida disso.
Boa parte da produção cultural do país é decidida pelos departamentos de Marketing das empresas? Sim, é verdade... e isso é uma das distorções provocadas pela Lei Rouanet.
Tem muita gente que leva o seu por debaixo dos panos? Acho que tem sim. Ouço muitas estórias dos colegas produtores.
Agora, isso em nada tem a ver com a polêmica em torno da obtenção de isenção fiscal de mais de R$ 1 milhão para o site de poesia de Maria Bethânia. Ela é indubitavelmente uma grande artista, e tem todo o direito de captar recursos para seus projetos. Como qualquer artista brasileiro, aliás.
Já ouvi boatos de que os projetos de Bethânia não passam pela comissão da Lei Rouanet - são aprovados diretamente, por ordem de algum picão. Será verdade? Enquanto for boato, pra mim verdade não é.
Enquanto isso, leiam o texto do ator Odilon Wagner. É um ponto de vista muito bem embasado.
Até!


FÚRIA IDEOLÓGICA


A notícia de que um projeto de poesia de Maria Bethânia, teve aprovação pelo Minc para captar R$ 1.350 milhão, através da Lei Rouanet, vem causando uma enorme polêmica na mídia, ressuscitando uma outra polêmica mais antiga, essa, criada pelo ex ministro Juca Ferreira. Ele deixou um legado perverso para cultura brasileira, dividindo a classe artística, antagonizando o norte/nordeste do país com o sul/sudeste, alegando que os recursos da Lei Rouanet ficavam concentrados nessa última região. No entanto, no marketing de suas idéias equivocadas e de seu esquerdismo infantilóide, ele foi eficiente. Gastou uma fortuna (dinheiro público) rodando o Brasil para destruir a imagem da Lei Rouanet, que mesmo com suas falhas, trouxe benefícios extraordinários para a cultura brasileira.
Mas não se enganem, o único objetivo que o ex-ministro tinha, era ter o controle absoluto da destinação das verbas. Ele não se conformava que o orçamento do MinC era menor do que a verba do incentivo fiscal e ao invés de brigar com seus pares no governo para aumentar o orçamento de seu ministério, preferiu brigar com os artistas, produtores, gestores etc. Para conseguir seu intento, divulgou dados e números nunca comprovados e sempre rebatidos. Era só pesquisar no site do próprio MinC, para que as contradições de seu discurso aparecessem. Porém,  Juca é um grande comunicador, sua campanha difamatória teve sucesso, e é por isso que hoje acompanhamos a polêmica com Maria Bethânia.
A mídia, em alguns casos, tem sido cúmplice desse patrulhamento, fornecendo dados imprecisos e muitas vezes, sem checar suas fontes, acaba levando a opinião pública ao engano. Até mesmo jornalistas importantes como Ricardo Noblat, entraram no jogo. Em sua coluna de 21 de março no “O Globo”, repetiu o discurso inconsistente e os números nunca comprovados de Juca Ferreira.
Não sei porque, sinto um cheiro de revanche e amargor, querendo prejudicar a gestão de Ana de Hollanda, à frente do MinC.
Basta de hipocrisia com a Lei Rouanet. Porque essa fúria ideológica que recai sobre os incentivos fiscais na cultura? Não vejo os que bradam contra a lei Rouanet, se insurgirem contra os incentivos fiscais da indústria eletro-eletrônica, da indústria têxtil, dos taxis, das TVs de plasma, da indústria automobilística e de tantos outros setores. No bolo dos incentivos fiscais do Brasil a cultura tem aproximadamente 1.6% do total. Que fúria é essa? Aliás, só precisamos do incentivo fiscal, porque o orçamento de nosso ministério é o penúltimo da União. Só perdemos para o ministério da pesca. Esse fato demonstra o apreço e importância que a cultura tem para nossos governantes.
Em sua matéria, Noblat cita que a Lei Rouanet só tem boas intenções, mas que sua prática é “quase toda ruim”. Essa informação só pode ter vindo de alguém que nunca pesquisou os resultados da lei nos últimos 15 anos. Noblat assume o discurso beligerante de Juca Ferreira, acusando artistas, produtores e gestores de fazerem negócios escusos com as verbas incentivadas. Se isso for verdade, o ex-ministro Juca Ferreira deveria ser processado por prevaricação, por não ter zelado pelo dinheiro público, pois, não me consta, que alguém tenha sido preso pelos delitos alegados. Se houve alguma ação ilegal, aplique-se o rigor da lei, punam-se os culpados, sejam eles quem forem. Mas, basta de jogar lama em nossa combalida atividade cultural.
Noblat, continua o discurso do ex-ministro, quando alega que, são os departamentos de marketing das empresas que definem a destinação das verbas da Lei Rouanet, mas talvez não tenha se dado conta, que quase 50% desses recursos vem das estatais, ou seja, do governo ou por pressão dele. Por isso a maior concentração de recursos da lei está no Rio de Janeiro, por conta da sede de muitas estatais estarem na antiga capital. Talvez não seja do conhecimento do jornalista, que, apesar da implacável cruzada contra a Lei Rouanet, várias órgãos governamentais se beneficiam dela, como a Funarte (órgão do MinC) e a própria presidência da república, por exemplo, concorrendo de maneira desleal com os produtores culturais. Isso sim, é um escândalo.
Ainda em seu artigo o jornalista traz à tona, um dos episódios mais deselegantes protagonizados pelo ex-presidente Lula, que, no dia do lançamento da “pedra fundamental” do Vale Cultura, acusou empresários paulistas de fazer propaganda com dinheiro do incentivo fiscal. Só a título de esclarecimento, as acusações de Lula nunca foram comprovadas e o Vale Cultura, que não passou de um lançamento festivo em plena campanha eleitoral ainda não saiu do papel, apesar de ser uma unanimidade nacional.
Por fim, o prezado Noblat fala da centralização de recursos incentivados no sul/sudeste, citando números maquiados pelo MinC e acusando um dos mais sérios produtores de São Paulo, Paulo Pélico, de defender essa centralização, fato que nunca aconteceu. Ele, como muitos outros, foram estigmatizados porque sempre combateram as idéias do ex-ministro. Paulo Pélico, sendo um dos maiores conhecedores das leis de incentivo nesse país, sabe muito bem, que a centralização de recursos de fato existe, mas sabe também, que ela foi intensificada pelo aumento da burocracia na gestão de Gil/Juca, não só nos recursos incentivados, mas também no Fundo Nacional de Cultura, o que é mais grave, pois, no FNC é o ministro quem assina o cheque. Pesquisa no banco de dados do Minc nos permitia chegar a essas conclusões, mas, Juca dizia que, “nós não sabíamos ler números”. Números são números e estão à disposição no site do MinC, para quem tiver paciência de estudá-los.
Mas sempre foi assim, Gilberto Gil assumiu o Ministério da Cultura, bradando contra os artistas consagrados que, segundo ele, consumiam quase todos os recursos do incentivo fiscal. Ele estava muito mal assessorado, pois logo se comprovou que a informação era incorreta e ele teve que se retratar. Quando Juca (ex-assessor de Gil) assumiu o MinC, retomou a campanha difamatória contra artistas consagrados, esquecendo que eles são um dos pilares das economias criativas, defendidas pelo MinC, e que tantos benefícios trazem ao país (5% do PIB, segundo o IBGE)
E então me pergunto: Porque uma das maiores artistas brasileiras como Maria Bethânia não pode receber recursos incentivados para fazer seu projeto poético, que vai divulgar e popularizar a arte da poesia? Um projeto que apresentará 365 vídeos dirigidos por outro grande profissional, Andrucha Waddington, o que em termos de tempo, daria aproximadamente 3 longas-metragens. O projeto de Bethânia  disponibilizará tudo isso gratuitamente e tenho certeza, com a qualidade que sempre admiramos em seus trabalhos, desde seu surgimento no Grupo Opinião. Se eu fosse poeta, daria a vida para que ela gravasse uma das minhas poesias, como não sou, dou todo meu apoio, para que a poesia a literatura e a beleza estejam sempre disponíveis na voz de Maria Bethânia.
Isso não tem preço.
Odilon Wagner

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