quarta-feira, 30 de março de 2011

Maestro ou gerente de multinacional

Gente: o texto abaixo não foi escrito por mim, mas por meu amigo Alexandre Elias. Acho o ponto de vista dele muito pertinente. Acho só que não é nem 8 nem 80, e concordo que, respeitanto os estatuto e principalmente os músicos mais velhos, a OSB deve sim ter uma manutenção no padrão de qualidade...
Bom, vamos ao texto do Elias, que é muito bom...

Maestro ou gerente de multinacional?

Vou aqui propor idéias parecidas com as de Roberto Minczuc para que não só a OSB, mas toda a nossa música chegue ao nível de “Qualidade Total” que ele procura. Em primeiro lugar, vamos tirar de Heitor Villa-Lobos o mérito de nosso compositor erudito mais genial, porque afinal de contas ele era autodidata, e ainda por cima corre à boca pequena que sua mulher corrigia alguns acordes que ele escrevia para piano... Ora, se queremos ter um nível internacional, não podemos ter um compositor assim nos representando. Vamos trocá-lo por Gustav Mahler, que teve sua formação no Conservatório de Viena. Pronto! Agora Gustav Mahler é o nosso compositor! Por favor, alguém apresente um plano de demissão voluntária póstuma a Heitor Villa-Lobos. E nem pensem em sugerir o nome de César Guerra-Peixe, aquele sujeito que foi pro Recife se misturar com o pessoal do maracatu, que se enturmava com Baden Powell, com o pessoal da música popular. Nem pensar. Plano de demissão voluntária póstuma pra ele também!

E, falando em música popular, podemos reciclar também a nossa. Esse pessoal aí, Chico Buarque, Milton Nascimento, Rita Lee, esse pessoal sabe ler e escrever partitura? Não? Demissão voluntária neles! Elis Regina teve aulas de técnica vocal? Não? E o pessoal da Bossa Nova, que da maneira mais cara de pau assume que são todos desafinados!!! Uma VERGONHA! Plano de demissão voluntária pra todos eles. 

Agora, deixemos a brincadeira de lado. Desde o século passado que pensadores brilhantes como Fredric Jameson, Perry Anderson, Noam Chomsky ou István Mészáros vêm nos alertando para os perigos de um dos mais danosos sintomas do mundo contemporâneo: a subordinação de praticamente todas as atividades humanas às lógicas de mercado, sintoma esse que, infelizmente e fatalmente, já veio se tornar realidade inevitável no mundo da economia do pensamento único.

Para provar que esses homens que citei acima estão certos, basta observarmos agora o exemplo que está acontecendo com a OSB (Orquestra Sinfônica Brasileira), onde o Sr Roberto Minczuc, regente titular e diretor artístico da orquestra, resolveu “melhorá-la” e transformá-la em uma orquestra de “nível internacional”, usando como principal tática uma espécie de “reciclagem” dos músicos, alguns deles com 20, 30 anos de serviços prestados à orquestra ou mais. Pois bem, dentro dessa reciclagem, vemos absurdos como “avaliações individuais dos músicos” e planos de demissão voluntária, para que aqueles que não estejam à altura do que o Sr Minczuc determina como “nível internacional”, sejam substituídos por músicos novos ou estrangeiros. Sim, pois agora a OSB terá dinheiro para pagar salários altos para seus músicos, salários de nível internacional.

Ou seja, analisando pela certeira ótica de Jameson ou Chomsky, o que vemos é o seguinte: Roberto Minczuc não é um regente que foi convidado para assumir a direção artística de uma orquestra. Ele é sim, um alto executivo, pragmático, que foi convidado para reestruturar uma empresa que, mediante a ascensão do Brasil no cenário internacional, quer melhorar sua imagem no mercado, dentro da vitrine em que estamos prestes a ampliar, com eventos como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos. E qual seria a tática desse pragmático e eficiente homem de negócios? Simples: adotar os padrões de “Qualidade Total”, termo que surgiu lá na década de 80 como uma espécie de elixir mágico e que rege as regras de administração de empresas como os fastfoods multinacionais. Eu, pessoalmente, tenho pena do país que quer que a música de sua orquestra tenha o mesmo gosto de um Big Mac.

Mas, deixando meus devaneios de lado, será que este senhor é tão insensível e desumano diretor artístico que não se dá conta que esse nível que ele sente falta não seria conseqüência, por exemplo, justamente dos baixos salários a que os músicos da orquestra até hoje vinham sendo submetidos, tendo que então, ao invés de poder ter tempo de dedicação exclusiva ao estudo dos seus instrumentos, desdobrarem-se em outras atividades para completar suas rendas e sustentar suas famílias? Como, por exemplo, dar aulas particulares, aulas em universidades, tocar em outros eventos fora da orquestra, ou o que quer que seja. Será que durante 30 anos uma orquestra mantém um grupo de músicos que se dedicam a ela, mesmo ganhando baixos salários, e quando essa orquestra vislumbra a possibilidade de obter recursos para pagar salários mais altos, dá em troca a esses músicos uma avaliação e um plano de demissão voluntária? É humano ou até mesmo ético isso? Agora que temos dinheiro vamos demitir aqueles que deram sangue aqui durante 30 anos e contratar músicos novos e/ou estrangeiros?

E ainda mais: é essa a formação que o Sr Minczuc quer dar aos jovens da OSB jovem? Propor que eles temporariamente substituam os músicos demitidos até que os virtuosos estrangeiros cheguem? Essa é a formação ética que esses jovens terão para entrar no mercado profissional?

Sr Minczuc, em homenagem ao meu amigo Antonio Augusto, músico da OSB, que teve um enfarte recentemente, cito Saramago para o Sr: “Se tens um coração de ferro, bom proveito. O meu fizeram-no de carne, e sangra todo dia”.
Não estamos lidando com hambúrgueres, e sim com pessoas. Estamos lidando com arte.
Alexandre Elias

2 comentários:

  1. Não sabia desta "renovação" da OSB.. não sou do meio musical.. mas gostei demais do que o Alexandre Elias disse..
    E que palavras do Saramago, hein?! "Se tens um coração de ferro, bom proveito. O meu fizeram-no de carne, e sangra todo dia”
    Priscila Martins

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  2. ALEXANDRE SÚTIL, DIRETO, E CLARO!
    Concordo com ele, para satisfazer o mercado, que claro nem sempre consiste nos interesses do público, mas sim dos patrocinadores, as pessoas esquecem sua própria natureza esquecem que lidam com pessoas, revoltante tamanha ambição capaz de sobrepor a razão emocional da pessoa. Pressão, pode até ser uma desculpa, mas não útil, afinal opnião deveria vir no nosso "kit de fabricação" já que nem se falo mais de humanos ou máquinas que são insensíveis. Me coloquei no lugar desses músicos, eles tocam porque gostam, porque sentem a música, elas fleum deles, e quando podem se dedicar a ela, ganham um pé na b. Sinceramente Hipocrisia me dá nojo!!! Mas é típico de brasileiro querer "estrangeirar" tudo o que temos, há quem tenha alergia ao que é nosso. Vergonha NAcional!

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